RECICLAGEM DE RESIDUOS DE CONSTRUÇÃO

          A demolição de um esqueleto de edifício de 12 andares, com 16 mil toneladas de concreto, um antigo hotel desativado à margem do lago Paranoá, no Setor de Clubes Sul de Brasília (DF), iniciada no final de janeiro, marca mais uma histórica etapa da construção civil do Brasil, por uma iniciativa público-privada que têm a finalidade de servir de modelo para um sério problema ecológico, econômico e social, que afeta todas as municipalidades do País. Trata-se de uma resposta à questão do que fazer com as sobras, o entulho da construção civil quando novas obras são realizadas ou edificações de alvenaria são demolidas.

          Duas organizações civis de interesse público (OSCIP), a Eco Atitude Ações Ambientais e a Ecoterra – Instituto de Preservação Ambiental, ambas de Brasília (DF), patrocinadas por organismos internacionais e nacionais para implementar projetos de recuperação e proteção ambientais, firmaram convênio com o Governo do Distrito Federal, através do Serviço de Limpeza Urbana (SLU) e de sua Secretaria de Obras,
para a execução de um empreendimento pioneiro no Brasil, de reciclagem de resíduos da construção civil, além de seus desdobramentos operacionais, econômicos, sociais e ecológicos. A Caenge S.A., tradicional construtora do DF, mas com operações em outros estados da nação, vem emprestando sua colaboração à iniciativa com seus equipamentos, a maioria da marca Caterpillar atendidos pela Sotreq-Goiânia e Brasília, além de ceder a sua ampla experiência em obras públicas e privadas.

         Segundo dados extra-oficiais, cerca de 50% dos resíduos sólidos que chegam nos aterros de lixo, controlados e sanitários, em peso, são de restos de obras de edificações e demolições da construção civil, representando um significativo ônus para a sociedade civil, em certas capitais bitributada pelo serviços de limpeza urbana. O simples vazamento desses materiais, que podem ser quase que totalmente reciclados, subtraem da economia de mercado a possibilidade de ganhos para as cooperativas de catadores, a diminuição de custos para os órgãos contratantes de obras públicas, a redução do impacto ecológico provocado pelo consumo de recursos naturais não-renováveis e as despesas das construtoras, as maiores geradoras desses resíduos, que pagam pela retirada, transporte e
acomodação dessas verdadeiras matérias-primas.

RESOLUÇÃO AMBIENTAL – A movimentação que neste instante ocorre na capital federal em torno do tema de reciclagem de resíduos da construção civil não constitui um ato isolado. Sua representatividade pode ser avaliada pela participação da Eco Atitude na formulação das diretrizes, critérios e procedimentos da resolução 307 do Conselho Nacional do Meio ambiente – CONAMA, em vigor desde 5 de julho de 2002. O engenheiro Marco Aurélio B. Gonçalves, que dirige a ONG, especializou-se na Holanda, país europeu que recicla 90% de todo o entulho da construção civil, também sede da Federação Internacional de Reciclagem (FIR), da qual a entidade brasileira tornou-se membro efetivo há 3 anos. “O desafio do DF é reciclar 2,5 mil toneladas por dia de resíduos da construção civil”, enumera o especialista, que, ao mesmo tempo, considera sua modelagem um exemplo que pode ser replicado em milhares de municípios do País, aliás, servindo para colocar em prática o papel institucional e multiplicador da organização sócio-ambiental.

          Independentemente de uma resolução restritiva, a 307 chama a atenção para a necessidade dos governos municipais para uma ação de grande impacto público. Cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba e Brasília, entre outras, já aprovaram leis municipais que disciplinam a gestão dos resíduos da construção civil. As exigências para a sua adoção nos municípios crescem  na medida que esses grandes centros servem como modelo e as ONG atuam como agentes fomentadores do processo.
Para as construtoras, maiores geradoras desses resíduos, o apelo maior é a economia de
recursos, na medida em que seus colaboradores forem educados e praticarem a segregação de materiais nos canteiros de obras, facilitando a sua coleta, gratuita, pelas cooperativas de catadores.

          A maior parte dos resíduos gerados em obras, classificados no nível A, apresentam características físico-químicas que permitem seu uso como insumo desde que os padrões técnicos normatizados pela ABNT sejam obedecidos. Essas normas definem diretrizes para projeto, implantação e operação de resíduos da construção civil e volumosos em área de transbordo e triagem, para aterros de resíduos inertes e áreas de reciclagem. “Também contêm normas para estimular o uso de agregados reciclados obtidos a partir do beneficiamento de resíduos da construção civil para execução de camadas de pavimentação, além da sua utilização em pavimentos de concreto sem função estrutural”, explica Marco Aurélio Gonçalves.

MODELO MÓVEL – A reciclagem do edifício demolido em sua base por explosivos no Setor de Clubes Sul de Brasília, demandará cerca de 60 dias para encerrar suas atividades até a sua recuperação ambiental pela Ecoterra, que também faz a remoção do material para as cooperativas selecionadas. À Eco Atitude cabe a engenharia do processo, que inclui a mecanização Caterpillar da Caenge, treinamento de pessoal e formatação que servirá à repetição do serviço, no próprio site, já que a preferência é para reciclagem móvel, pela economia de custos e prazos. Carlos Richter, que assessora a Caenge no dimensionamento e na aquisição de máquinas CAT através da revenda em Brasília, informa que no site estão operando duas escavadeiras hidráulicas 320C, uma equipada com caçamba processadora ALLU e outra com caçamba padrão de 1,2 metro cúbico.

          Pelo acordo firmado entre as ONG’s e o Governo do DF, a iniciativa pública fará os testes de resistência e aplicação do material agregado em obras por intermédio da Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap), que repassará os resultados às
entidades sócio-ambientais. O governo também compromete-se a criar políticas de regulamentação de aplicação dos materiais reciclados. “Poderemos utilizar esse agregado como base e sub-base de ruas, avenidas, estradas e ciclovias e na fabricação de artefatos de concreto”, justifica Fátima Có, diretora geral do Serviço de Limpeza Urbana (SLU) do governo do DF, cujo órgão ganhará com o projeto pela redução do volume de resíduos sólidos a serem aterrados no único aterro oficial existente no  DF. Os vergalhões de ferro do concreto demolido serão destinados às cooperativas de catadores para revenda.

         David Jussier, assessor técnico da Eco Atitude, explica que a operação de reciclagem móvel foi dividida em segmentos. A primeira função cabe a um guindaste que fragmenta as peças de concreto do alto do prédio desmontado com um “sino”bate-estacas de 1.250 quilos, projetando-o de 15 metros de altitude. Em seguida, uma escavadeira 320C com caçamba-padrão move para baixo os blocos quebrados pelo “sino”, arrumando-os para rompimento por um martelo hidráulico acoplado numa retroescavadeira. Catadores treinados cortam os vergalhões com maçarico, separando-os e empilhando-os. Finalmente, entra em operação a grande “vedete” do processo: uma escavadeira 320C CAT equipada com a caçamba processadora ALLU, importada pela Caenge da Finlândia, que tritura o concreto transformando-o em agregado.

          Todos os dias pela manhã, o professor Paulo Cesar dos Reis Gomes, coordenador do laboratório de segurança ambiental do curso de pós-graduação de Engenharia de Segurança no Trabalho da Universidade de Brasília (UnB), ministra treinamento às diversas turmas de catadores das cooperativas-parceiras, posteriormente monitorados pelo assessor técnico no restante da jornada de trabalho. “A finalidade do treinamento é assegurar que os catadores trabalhem sem risco de acidentes num ambiente novo para eles, atentos principalmente a cortes pelas ferragens e projeção de partículas de concreto na operação de máquinas pesadas”, afirma o professor. Ele estima que certa de 200 profissionais serão treinados durante os cerca de 60 dias das operações de reciclagem no local.

LEGENDAS DAS FOTOS:

 

O processamento do entulho no próprio site é a alternativa mais viável em custo e prazo

Depois de fragmentados pelo “sino” do guindaste, os blocos são trazidos para o nível do solo pela 320C com caçamba de 1,2 metro cúbico

Desmontado em sua base com explosivo, o edifício de 12 andares e 16 mil toneladas terá concreto e vergalhões reciclados para modelagem do processo pioneiro no Brasil

 

Um rompedor hidráulico é empregado para fragmentar os blocos trazidos após sua quebra
pelo guindaste, cujos vergalhões são cortados manualmente com maçarico

Equipe executiva que trabalha no processo inédito de reciclagem no Brasil (da esquerda para a direita): Virmondes Luiz Martins (encarregado geral de obras da Caenge), Paulo Gomes (UnB), Marco Aurélio Gonçalves (Eco Atitude) , Lúcio Christiansen (gerente de suprimentos da Caenge) e Carlos Richter (Sotreq-Brasília)

FÁTIMA CÓ
“Utilização do produto da reciclagem, como agregados, em vias e artefatos de concreto, para reduzir volume de resíduos nos aterros do DF”

DAVID JUSSIER
O concreto triturado pela 320C com caçamba processadora substitui o agregado
tradicional obtido de fontes naturais não-renováveis

                                    
                                                 
                    Definições e classes dos resíduos da construção

          Segundo os critérios estabelecidos pela resolução 307 do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, os resíduos da contrução civil são os resultantes da preparação e escavação de terrenos e de demolições, tais como concreto em geral, rochas, metais, tijolos, peças cerâmicas, solos, madeiras, forros, argamassa, gesso, telhas, pavimento asfáltico, vidros, plástico, tubulações, fiação elétrica etc., comumente denominados entulho de obras, caliça e metralha.

          Esses diversos materiais são divididos em quatro classes para efeito de reutilização, reciclagem e beneficiamento.

CLASSE        ORIGEM   DESTINAÇÃO
         
A  

 

Resíduos reutilizáveis ou recicláveis como agregados de:

+ Construção, demolição, reformas e reparos de pavimentação e de outras obras de infra-estrutura;

+ Construção, demolição, reformas e reparos de edificações;

+ Processo de fabricação e/ou demolição de peças pré-moldadas em concreto fabricadas no canteiro de obras

 
Reutilizados ou reciclados na forma de agregados, ou encaminhados a áreas de aterro específicos e  licenciados, sendo dispostosde forma a permitir a sua futura utilização ou reciclagem
         
B  

Resíduos recicláveis para outras destinações: plásticos, papel e papelão, metais, vidros, madeiras e outros.                                                       

 
Reutilizados, reciclados ou encaminhados a áreas de armazenamento temporário, sendo dispostos para que possam serutilizados no futuro.
         
C  
Resíduos para os quais não foram desenvolvidas tecnologias ou aplicações economicamente viáveis, que permitam a sua reciclagem ou recuperação (exemplo: produtos oriundos do gesso)
 
Armazenados, transportados e destinados em conformidade com as normas técnicas específicas.
         
D  
Resíduos perigosos como tintas, solventes, óleos e outros, ou os contaminados de demolições, reformas e reparos de clínicas de saúde, indústrias e outras instalações.              

                     

 
Armazenados, transportados, reutilizados e destinados conforme normas técnicasespecíficas.
         

                                     Aplicação diversificada

          A caçamba processadora ALLU, fabricada na Finlândia, funciona acoplada aos sistemas hidráulicos de escavadeiras hidráulicas, carregadeiras de rodas, minicarregadeiras e retroescavadeiras nas funções de triturar, misturar, peneirar, aerar e carregar numa única operação e num tempo de 15 a 30 segundos por carga. Patenteada no mundo, é oferecida em diversos tamanhos no Brasil pela Máquina Solo, de São Paulo (SP) e caracteriza-se por uma unidade móvel.

          Em estrutura de aço especial, a caçamba dispõe de tambores que funcionam horizontalmente, girando na velocidade de 300 rotações por minuto em dois sentidos,
porém, na mesma direção, usando força hidráulica num sistema de duas vias. “Sua versatilidade oferece uma ampla gama de aplicações, que vão além da reciclagem de
entulho da construção civil”, explica Fábio Damásio, diretor da representação no Brasil.

          A caçamba também processa terra contaminada, executa compostagem, mistura materiais diversos, peneira solo, pulveriza sal em suas minas, faz a cobertura de oleodutos e gasodutos em valas, tritura vidro e resíduos de madeira. Várias empresas brasileiras já estão antecipando-se, testando sua operação em diversas situações especializadas, cuja linha oferece as opções de serviço leve, padrão e extra-forte.

(foto da caçamba com retoque americano)
A caçamba processadora pode ser adaptada dependendo do material que processará.